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O alarde de "heresia" levantado por alguns “católicos” tradicionalistas contra o Concílio Vaticano II (CVII) frequentemente reside na quebra da ideia de monopólio da salvação. O CVII não revoga, mas sim corrige uma interpretação secular nodoada de certa dose de farisaísmo em relação ao antigo dogma "Extra Ecclesiam Nulla Salus" (Fora da Igreja não há salvação). O Concílio reafirma que a verdadeira Igreja é Universal (Katolikós), transcendendo grupos, liturgias, templos e interpretações particulares a respeito da revelação Divina. 

A salvação não é e não pode ser um privilégio exclusivo para alguns sectos ou grupos. Isso seria uma visão totalmente gnóstica: A graça Divina e os elementos cristológicos (Semina Verbi, ou 'Sementes do Verbo') podem ser encontrados fora do âmbito do catolicismo, e mesmo do cristianismo (Decreto Ad Gentes, n. 11 e Lumen Gentium, n. 16). Onde essas "sementes" e esses elementos estão presentes, ali o Espírito de Cristo atua. O 'Sementia Verbi' tem o dom e o poder de unir na Igreja Transcendente e Universal (Corpo de Cristo) pessoas mesmo de matrizes não cristãs, ainda que de modo inconsciente, indireto e incompleto, introduzindo nelas o Amor e a Amizade com Cristo – mesmo que nunca tenham participado da Missa ou professado explicitamente a fé cristã em alguma de suas variadas vertentes.

A própria Revelação Bíblica e a história do cristianismo primitivo ilustram essa ação da graça pré-cristã: 

  1. Os Essênios e São João Batista: As "sementes do Verbo" se manifestavam na ascese e meditação dos essênios, algo praticado milênios antes de Cristo pelas mais remotas civilizações, crenças e filosofias orientais, como o Budismo. Embora não fossem cristãos, os essênios, em seu retiro no deserto em busca de santificação e do sentido em Deus, ecoavam a busca pela Verdade que também motivou S. João Batista a busca e se encontrar com o próprio Cristo.
  2. Os Reis Magos: O Verbo atuava na fé astrológica/zoroastrista dos reis orientas vindos da antiga Pérsia que foi o berço da astrologia. Eles foram guiados por uma estrela — um elemento de sua própria tradição — para o encontro com o recém-nascido Salvador, demonstrando que a graça utilizava os elementos de sua cultura para o encontro com a Salvação.
  3. O Ritual Grego-Romano do Batismo: O Batismo Cristão encontra precursores no batismo essênio – rito de purificação da alma e corpo, que por sua vez herdou forte influência no culto batismal do deus grego-romano da medicina, Asclépio. Cristo, que não pertencia a essa tradição, cooptou e elevou esse ritual pagão, transformando-o no seu primeiro Sacramento, mostrando que a graça já atuava em ritos de purificação anteriores e externos à Igreja.

 O CVII rejeita, portanto, o neofarisaísmo sectário de grupos que insistem em conceber um monopólio de Deus e da salvação, assim como os antigos fariseus que, em sua rigidez monopolizante da revelação Divina, em nome dela, condenaram o próprio Cristo. Ele, aliás, ensinou aos seus Santos Apóstolos, quando lhe indagavam: “Mestre, vimos um homem que expelia demônios em teu nome, e nós lho proibimos, porque não é dos nossos. Mas Jesus lhe disse: - Não lho proibais; porque, o que não é contra vós é a vosso favor”.(São Lucas 9:45 e 46)

O Concílio reafirma a universalidade da Igreja, e da misericórdia de Deus a todos! 



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