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Podemos definir a fé teologicamente como a capacidade sobrenatural de reconhecer a verdade divina, aderir a ela e, assim, recebê-la em nossa vida. A autêntica fé não se opõe à razão; pelo contrário, a harmoniza e a completa.1 Mas o que nos leva a crer em uma realidade que não podemos ver, ouvir, tocar ou sentir? Seria a experiência puramente sensorial ou emocional? 


Do Conhecimento Humano e da Experiência:


O conhecimento humano sobre o mundo material começa pelos sentidos. Pela experiência sensível, distinguimos sabores, enxergamos caminhos, sentimos o frio e o calor, ouvimos sons e percebemos odores. É uma forma de conhecimento comum a todos os seres vivos, tanto racionais quanto irracionais. No entanto, o ser humano possui algo que o distingue dos animais: a razão e o intelecto.2 Graças a eles, podemos ir além da simples experiência sensível. Não precisamos nos jogar de um prédio para saber que morreremos; nem experimentar o mal para sabermos do seu potencial destrutivo.

A razão natural nos permite prever as consequências dos nossos atos e o intelecto, antevendo previamente o resultado, deve balizar nossas escolhas. O conhecimento racional nos dá domínio sobre o mundo material, desde a agricultura até a medicina. A razão superior nos auxilia na relação com Deus e por meio dela, compreendemos a existência de uma realidade invisível, que transcende nossa percepção natural. 

A fé Católica ensina que, pela luz natural da razão, o ser humano pode de certo modo reconhecer Deus em todas as coisas.  Mas também ensina que a razão, por si só, é limitada.3 A vida e a morte, por exemplo, são milagres que ultrapassam nossa compreensão racional. 


A Fé: Uma Razão Superior, Não uma Emoção:


É nesse ponto que entra a

A razão, por meio de sua busca especulativa, nos move a Deus, tendo a fé como instrumento pelo qual Ele a nós se revela: “SEJAM ENRIQUECIDOS DE UMA PLENITUDE DE INTELIGÊNCIA PARA CONHECER O MISTÉRIO DE DEUS,” (Colossenses 2-2). 

A revelação divina ilumina o nosso entendimento4, não apenas sobre o que o transcende, mas também sobre as verdades espirituais que, embora acessíveis à razão, precisam ser compreendidas com firmeza e vividas com equilíbrio, sem erros ou exageros. Por isso, a busca e o crescimento da fé não estão ligados a busca e ao crescimento das emoções, e sim, da razão: “Até quando, insensatos, odiarão a ciência?” (Provérbios 1, 22) A fé é, portanto, uma razão superior, muito além da virtude intelectiva5, que nos permite reconhecer a verdade invisível nas realidades visíveis. É a "plenitude de inteligência" para conhecer o mistério de Cristo, no qual "estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência" (Colossenses 2, 2-3). 

O que faz a nossa fé ser viva não é o quanto choramos ou o êxtase que sentimos, mas o quanto a nossa vida de oração e adoração reflete na prática cotidiana o amor de Deus. A fé não é um sentimento passageiro, um pico embevecido de encantamento, mas uma ação contínua que resulta na bondade, solidariedade e fraternidadeSem a prática desses preceitos, de nada valem as lágrimas e emoções. É por meio dos atos de bondade para com os nossos irmãos que a nossa fé se torna genuína e nos faz pessoas melhores diante de Deus.

A experiência nos causa sensações que são passageiras, ao contrário da ciência da realidade Divina que é duradoura. 

Confundir fé com sensações e emoções é um equívoco. 

As virtudes não são construídas a partir de êxtases sentimentais, mas pela consciência superior que nos leva a distinguir entre o amor e o ódio. A salvação não vem do "sentir Deus", e sim, do "viver Deus" na prática das virtudes que nos inserem nos preceitos de Amor nascidos da verdadeira fé (1 Tm 5, 8; Rm 6, 19). As experiências místicas dos santos e mártires são consequências de uma fé racionalmente já anteriormente fortalecida e estabelecida na verdade. No mais, é possível ter uma experiência emocional que negue a Deus ou seja contrária aos seus mandamentos, em oposição ao que Ele deseja de nós:  “Irei contra os profetas de sonhos enganadores que, ao narrá-los, ludibriam com mentiras meu povo, quando nem missão lhes dei, nem mandato algum, e de nenhuma valia são para esse povo." (Jeremias 23, 32) 

A fé deve buscar a construção de uma realidade baseada na Lei Maior que nos incline a amar a Deus sobre todas as coisas, amando a Deus no próximo, e não as experiências sensoriais e particulares que nos desviam da reta razão. Como nos lembra o santo Apóstolo Primaz, Pedro, a fé deve estar unida à virtude, à ciência e à temperança, para que não nos tornemos "míopes, cegos" em relação ao conhecimento de Cristo.6 


1 CATECISMO § 1.954 — O homem participa da sabedoria e da bondade do Criador, que lhe confere o domínio de seus atos e a capacidade de se governar em vista da verdade e do bem. 2 “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar. (Romanos 1, 20)” 

3 Catecismo n° 35 As faculdades do homem o tomam capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar em sua intimidade, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder acolher esta revelação na fé. Contudo, as provas da existência de Deus podem dispor à fé e ajudar a ver que a fé não se opõe à razão humana. Catecismo n° 36 As verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus são verdades que transcendem completamente a ordem das coisas sensíveis e quando estas verdades atingem a vida prática e a regem, requerem sacrifício e abnegação. A inteligência humana, na aquisição destas verdades, encontra dificuldades tanto por parte dos sentidos e da imaginação como por parte das más inclinações;

4 Catecismo n° 38 Por isso, o homem tem necessidade de ser iluminado pela revelação de Deus, não somente sobre o que ultrapassa seu entendimento, mas também sobre as verdades religiosas e morais que, de per si, não são inacessíveis à razão, a fim de que estas no estado atual do gênero humano possam ser conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro.” (Catecismo R 2.2) 

5 Como ensinou Santo Tomás de Aquino, “(…) o intelecto especulativo se aperfeiçoa no encontro com a verdade.

 6  Por esses motivos, esforçai-vos quanto possível por unir à vossa fé a virtude, à virtude a ciência, à ciência a temperança, à temperança a paciência, à paciência a piedade, à piedade o amor fraterno e ao amor fraterno a caridade. Se essas virtudes se acharem em vós abundantemente, elas não vos deixarão inativos nem infrutuosos no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Porque quem não tiver essas coisas é míope, é cego: esqueceu-se da purificação dos seus antigos pecados. Portanto, irmãos, cuidai cada vez mais em assegurar a vossa vocação e eleição. Procedendo desse modo, não tropeçareis jamais.” (I São Pedro, 2 – 10)


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