A alma é a força invisível e imaterial que dá vida e anima os corpos [4], compondo a natureza dos seres viventes. É o elemento pelo qual o corpo existe e age, sendo o motor de todo organismo [7], enquanto o corpo é o objeto a ser movido.
Um corpo desprovido de alma é apenas uma massa biológica em decomposição, inoperante e imperfeita [5], visto que é incapaz de atingir a finalidade de existir para agir e mover-se. Portanto, tudo o que possui vida tem alma [6].
A alma, diferentemente das funções orgânicas, não é uma propriedade corporal produzida pela matéria orgânica (corpo), nem nos é transmitida pela genética [8].
Sua origem é o fôlego Divino que dá a vida e anima os corpos:
“O SENHOR DEUS FORMOU O HOMEM DO BARRO DA TERRA, E INSPIROU-LHE NAS NARINAS O SOPRO (rū·aḥ [9]; pneuma) DA VIDA E O HOMEM SE TORNOU UM SER VIVENTE.” (Gênesis 2,7)
“LEMBRA-TE QUE MINHA VIDA NADA MAIS É DO QUE UM SOPRO. MEUS DIAS SÃO APENAS UM SOPRO.” (Jó 7,7 e 16)
Assim, a natureza do ser vivo é composta por dois elementos: o corpo (material e visível, com propriedades da terra [10]) e a alma (imaterial e invisível, de origem celestial [11]). Por não se originar da matéria, a substância da alma é cientificamente inexplicável:
“[….] a pátria de origem da alma é Deus que a criou. Sobre sua substância própria não posso responder, pois não é possível compará-la com as diversas naturezas que nossos sentidos percebem. [….] Quanto à alma não saberia dizer como é tal substância.” (AGOSTINHO, De Quant., I, I, 232)
A alma confere aos corpos vivos a capacidade de aprender, conhecer, sentir e experimentar. Todas as funções e virtudes do corpo dependem da união com a alma. Sensibilidade, dor, prazer, desejo, apetite por nutrir-se, sobreviver, crescer e reproduzir-se são operações exclusivas da alma sobre os corpos, distinguindo os seres animados (vivos) dos inanimados (como o reino mineral), que não possuem essa faculdade.
A vida ou alma reside no corpo, mas não pertence ao corpo:
“O SENHOR É QUEM TIRA E DÁ A VIDA.” (1 Samuel, 2 e 6)
A alma representa a forma do ser vivente, e, embora receba influências do corpo que moldam características e temperamento [12], o uso da razão, a reação à dor e ao prazer, e a busca pela felicidade e satisfação definem e formam a personalidade de cada ser animado.
Embora todo ser vivente (humanos, irracionais e vegetais) possua alma e esta tenha a mesma origem no sopro Divino, há uma considerável diferença na constituição da alma humana, pois esta, é a única capaz de reconhecer e interagir com elementos que transcendem o corpo físico.
A alma dos animais irracionais, por sua natureza exclusivamente anímica, está restrita ao conhecimento da dor, do prazer e do afeto vinculados ao corpo e às necessidades sensíveis (comer, sexo, proteção física). Eles são incapazes de afeiçoar-se a conceitos abstratos como o valor da comida por conta da nobreza do trabalho através do qual fora adquirida (independentemente do sabor) ou de se submeter voluntariamente à dor (para o tratamento de uma doença). Também não são dotados da capacidade de contemplar e retribuir o Amor que não seja físico, podendo esquecer o afeto recebido ao encontrar outra forma de suprir suas carências.
Em contrapartida, a alma humana pode amar com ou sem a pulsão da paixão física, transcendendo ao afeto corporal (como o amor pelos pais ou filhos). Isso ocorre porque a alma humana é dotada dos dons espirituais da razão, inteligência, vontade livre e consciência, que regulam e ordenam as expressões do amor e do afeto. Além disso, só a alma humana possui os dons da arte, destreza e talentos. Esses atributos (inteligência, talentos, destreza e vocação) não são produzidos exclusivamente pelo corpo, pois, se assim fosse, todos os corpos humanos, sendo de idêntica substância corporal, deveriam apresentar o mesmo nível dessas virtudes. O que determina as qualidades particulares e a personalidade de cada indivíduo reside na alma, e não no corpo.
“TODA BOA DÁDIVA E TODO DOM PERFEITO VEM DO ALTO, DESCENDO DO PAI DAS LUZES, EM QUEM NÃO HÁ MUDANÇA, NEM SOMBRA DE VARIAÇÃO.” (São Tiago 1, 17)
No contexto da alma humana, e no que a difere dos irracionais, encontramos dois pontos ou faculdades: a psique (ou mente) e o pneuma (ou espírito).Se na psique ou mente residem os dons naturais, os talentos e as artes (que determinam a personalidade humana), é no ‘pneuma’ ou espírito, que é o núcleo da alma humana, que encontramos os dons superiores [13], sendo o maior deles a sabedoria do Amor, que confere ao ser humano a capacidade de amar a próximo, a Deus e a toda sua criação. O espírito é o elemento divino da alma por excelência. É ele que nos permite:
A consciência da eternidade do amor em nossa alma espiritual é o que nos encoraja a renunciar ao corpo por amor, como no caso dos mártires, pois a matéria corporal se inclina naturalmente à autopreservação.
O espírito move o ser humano a buscar o fim para o qual foi criado [15] – a vida sobrenatural –, enquanto o corpo, ligado às coisas sensíveis, se lança à busca de bens efêmeros e materiais.
“Três coisas são estabelecidas: espírito, alma e corpo, os quais duas são ditas inversamente, pois a alma muitas vezes é nomeada juntamente com o espírito; com efeito, a certa parte superior da mesma, que faltam aos seres brutos que é chamada de espírito; entre nós o espírito é o principal; depois somos unidos ao corpo pela vida, a isto é chamado alma; enfim o último é o corpo, pois o próprio é visível de nós.” (AGOSTINHO, De Quant. X, 23)
A imortalidade da alma humana está intrinsecamente ligada à sua origem e constituição:
“E criou Deus o homem à sua imagem; À IMAGEM DE DEUS O CRIOU; O HOMEM E A MULHER OS CRIOU.” (Gênesis 1, 27)
“EU SEI QUE TUDO QUANTO DEUS FAZ DURARÁ ETERNAMENTE; NADA SE LHE DEVE ACRESCENTAR; NADA SE LHE DEVE TIRAR.” (Eclesiastes 3:14)
“EIS QUE VENHO EM BREVE E A MINHA RECOMPENSA ESTÁ COMIGO, PARA DAR A CASA UM CONFORME AS SUAS OBRAS.” (Apocalipse 22,12)
O destino do corpo humano é idêntico ao do corpo dos irracionais (a morte, a deterioração na terra ao perder o fôlego da vida) [1]. Contudo, o destino da alma humana é distinto, pois ela subsistirá mesmo após a morte do corpo. A alma, separada do corpo, mantém a consciência dos atos pretéritos [3], pois a justiça Divina seria imperfeita, e não poderia julgar quem não tem consciência do que foi e fez.
Embora o corpo e a mente precisem de bens físicos e sensíveis, o espírito e a alma necessitam de bens abstratos para nutrir sua natureza.
“[….] não temais os que matam o corpo, E NÃO PODEM MATAR A ALMA; temei antes Aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo.” (São Mateus 10, 28)
Notas de Rodapé
[1] GRASSET, J. Os Limites da Biologia. Cap. 4°.
[2] Eclesiastes 3. 19, 20 e 21.
[3] Eclesiastes 9. 4, 5.
[4] Agostinho. De Anima. II Cap. I
[5] RUMBLE. M.S.S, DA IMORTALIDADE DA ALMA. Resposta aos Racionalistas e Outros. Cap. 1, p. 9, III par. Pub. 1.959. Editora Vozes
[6] Como disse ainda Agostinho: “O corpo É O MENSAGEIRO da alma.” (De Ord. II e XI, 32)
[7] Aquino. Q 75 art. 1. Livro Suplementar. Suma.
[8] Alma, em latim “anima.” É o princípio animador de todo organismo vivo. A inspiração do oxigênio pela respiração e a tomada de alimentos pela comida e bebida são condições para o ser continuar existindo; mas a alma é o princípio da vida dele. Sem alma, não é possível a vida, nem mantê-la. (RUMBLE. M.S.S, DA IMORTALIDADE DA ALMA. Resposta aos Racionalistas. cap. 1, p. 9, III par. Pub. 1.959. Editora Vozes)
[9] Sopro: ר֣וּחַ(rū·aḥ) no aramaico; pneuma na língua grega: vento que exala de um corpo vivente, a respiração ou a vida insubstancial, também chamada espírito. (Strong’s n° 7603)
[10] Substância (ousia) é tudo aquilo que está num ser, fazendo parte dele, em natureza e essência, e, através da qual, ele subsiste, sendo o que é, nos permitindo dizer dele por diversas maneiras. (REF. ARISTÓTELES. Metafisica. Vol. I e II. São Paulo: Edições Loyola, 20)
[11] O Poder que deu origem, cria e sustenta a matéria, que está na matéria mas também a transcende. O Poder Criador ou simplesmente, DEUS, o que é Grande demais para que possamos conhecê-lo nas limitações da matéria. (Jo 36, 26)
[12] “De modo que a alma do homem se torna, de certo modo, em tudo, pelo sentido e pelo intelecto. (AQUINO. Santo Tomás, Suma Teológica. Livro Ia Parte. Tratado Sobre o Homem. Q 80, art. 1°)
[13] CATECISMO §2546: Bem-aventurados os pobres em espírito” (Mt 5,3) O Verbo chama “pobreza em espírito” o desapego pela busca das riquezas materiais, e a humildade voluntária de um espírito humano em sua renúncia a isso, como o exemplo de Deus, que em Cristo “se fez pobre por nós” (2 Cor 8,9).
[14] CATECISMO §260.
[15] CATECISMO §2516: Já no homem, tratando-se de um ser composto, espírito corpo, existe certa tensão, desenrola-se certa luta de tendência entre o “espírito” e a carne. Mas essa luta, de fato, pertence à herança do pecado, é uma consequência dele e, ao mesmo tempo, uma confirmação, e faz parte da experiência do combate espiritual: Assim, pois, de um lado, pelo meu espírito, sou submisso à Lei de Deus; de outro lado, por minha carne, sou escravo da Lei do pecado. (Romanos 7, 26)
[16] CATECISMO §2098