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Capítulo 1: A Ira Em Deus: Paixão Humana ou Justiça Divina?

A ira é uma paixão humana que nasce como resposta àquilo que sentimos como uma agressão injusta. Em nós, ela quase sempre se torna um vício sentimental, porque nela não há resquício de equilíbrio ou razão. A Lei Mosaica nos sugeria o "olho por olho", mas, na prática, essa regra muitas vezes levava a um ciclo interminável de vingança. Como nos lembra a Escritura: "Olho por olho, dente por dente, e mão por mão" (Êxodo 21. 24).No entanto, o problema da ira humana é sua desordem. Ela é movida pelo rancor e pelo ódio, cegando a razão e perdendo a noção da medida e da proporção. A vingança, por ser um ato movido pela emoção, é sempre maior do que a ofensa recebida e causa um mal maior a quem a pratica do que a quem a sofre. Por isso, a ira humana se opõe à verdadeira justiça. A justiça é uma virtude que busca dar a cada um o que lhe é devido, com equilíbrio e medida. Em contrapartida, a ira é a "justiça" aplicada com ódio. Como nos ensina o apóstolo Paulo, a ira e o ódio devem ser afastados de nós: "(…) amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda malícia sejam tiradas dentre vós" (Efésios 4.31). Em Deus, não pode haver desordem. A Ele não se atribui a ira como uma paixão, mas sim como um juízo da reta justiça. A "ira de Deus" mencionada nas Escrituras é, na verdade, a sua perfeita justiça em ação. Como nos ensina São Tiago, a ira do homem não se alinha com a vontade de Deus: "A ira do homem não cumpre a justiça de Deus" (São Tiago 1.20). A "ira" divina que lemos na Bíblia, como em "Derrama sobre eles a tua indignação, e prenda-os o ardor da tua ira" (Salmos 69.24), é, na verdade, a sua santa e perfeita justiça. Ela não visa à vingança, mas à reparação e à busca pelo bem, usando o sofrimento como meio para nos conduzir à santificação.


Capítulo 2: O Zelo de Cristo pelo seu Sacrifício de Salvação:

A perfeita justiça só pertence a Deus, e Jesus Cristo, sendo a imagem perfeita do Pai, manifestou essa justiça de forma exemplar. O episódio em que Ele expulsa os vendilhões do templo, usando um chicote, é frequentemente interpretado como um ato de ira. No entanto, o evangelista nos mostra que a atitude de Jesus não foi movida por paixão, mas sim pelo zelo pela casa de Deus, conforme se recordaram seus discípulos: "O zelo da tua casa me consome" (São João 2.17). A ira de Cristo não era um vício, mas uma virtude. Seu objetivo não era aniquilar os agressores, mas corrigi-los, defendendo a santidade do altar do Templo (que era figura simbólica do Calvário, onde seria o seu sacrifício) e a pureza da fé. A crueldade do delito não se combate com a crueldade do castigo. Jesus mostrou sua verdadeira intenção quando repreendeu os santos apóstolos Tiago e João, que pediram para fazer descer fogo do céu sobre os samaritanos que O rejeitaram, ensinando-lhes: "O Filho do homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las." (São Lucas 9.56). Em sua natureza humana, Jesus era sensível às emoções, mas elas eram perfeitamente equilibradas e ordenadas pela razão divina. Nele, a misericórdia precede a punição. O que parece ser ira é, na verdade, um ardente desejo de corrigir o que é perverso e restaurar a ordem. Como diz Santo Tomás de Aquino1  , o ato de Cristo foi movido pelo "zelo da Casa de Deus", por um desejo de corrigir todas as coisas perversas, uma virtude que se diferencia da ira enquanto vício. Portanto, em Deus não há ira como a conhecemos, mas apenas a sua perfeita e infalível justiça. Purificar o Templo foi uma demonstração de zelo, não de paixão, e nos ensina que o castigo divino serve como uma advertência, uma medida para que não nos desviemos do caminho da salvação. Ele nos ensinou a não retribuir o mal com o mal, mas a buscar a pacificação, oferecendo a outra face: "Abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles. Se amais só os que vos amam, que recompensa merecereis? Também os maus amam aqueles que os amam." (São Lucas 6.28-31).




1Suma Teológica, Q 47 art. 2 L Ia IIa,

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