O CORPO PURO DE MARIA: TEMPLO IMACULADO ONDE DEUS HABITOU.

A doutrina católica da Imaculada Conceição de Maria é fundamental para compreendermos plenamente a Divindade e a Santidade de Jesus. 

Ao enfatizar que Maria foi preservada do pecado, a Igreja não a coloca acima da necessidade de salvação, mas reconhece nela uma graça singular concedida por Deus, preparando-a para ser a morada perfeita para o Verbo Encarnado. 

Por Que a Mãe de Deus Não Poderia Ser Tocada pelo Pecado?

 A argumentação teológica sobre a pureza de Maria se baseia em premissas cruciais, que visam salvaguardar a impecabilidade de Cristo: 

  1. A Santidade de Cristo Exige uma Morada Imaculada: Se a Pessoa Divina de Cristo assumiu um corpo humano sem pecado (Rm 8,3), é lógico inferir que esse corpo não poderia ter sido concebido e estar umbilicalmente ligado à uma mulher manchada pelo pecado original. A Palavra de Deus nos adverte: "Do fruto do ímpio só se produz o pecado." (Provérbios 10,16).
  2. A Herança do Pecado Original: Afirmar que a Virgem Maria era pecadora implicaria que ela, como toda mulher nascida da linhagem de Adão, concebeu na condição de pecadora. Textos como Jó 15,14 ("Quem é o homem para que seja puro? E o que nasce de mulher para que fique justo?") e Salmo 51,5 ("Eis que nasci da iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe") ressaltam a universalidade dessa condição. Assim, seria impensável que o Ser Divino, ao se encarnar e viver na carne, assumisse sua humanidade concebida em um corpo pecador, sem antes tirar esse corpo da condição e do universo do pecado.
  3. A Salvação de Maria e a Graça Preventiva: É verdade que Maria afirmou: "minha alma se alegra em Deus, meu Salvador" (Lc 1,47). No entanto, essa salvação foi concedida de maneira única: não como uma libertação dos pecados que ela teria cometido, mas como uma preservação da prática desses pecados, retirando esta da condição de pecadora desde o primeiro instante de sua concepção. Ela foi salva por Cristo de uma forma excelsa, antecipando os méritos da cruz. Seus pais eram, de fato, pecadores, mas a graça de Deus agiu de forma extraordinária em Maria, para que ela fosse retirada do âmbito do pecado e recolocada no âmbito da santidade, como Eva era antes da queda, para gerar Deus na carne em plena e total santidade. Por isso, se diz de Maria, como sendo a Nova Eva.

A Questão da Salvação de Cristo: Um Paradoxo Inaceitável

 A concepção de Cristo em um ventre maculado pelo pecado original levantaria um grave problema teológico: se o Deus feito homem, que veio para salvar a todos, fosse concebido na "mancha do pecado materno", Ele mesmo precisaria de salvação. 

Salvar implica remover o pecado ou não sujeitar-se ao seu domínio. 

Se Cristo precisasse ser isentado de contrair de sua mãe a condição de nascer sob domínio do pecado, isso pressuporia que Ele também morreu para se livrar de uma natureza pecadora herdada de Sua mãe, o que é incompatível com Sua condição de Salvador perfeito e sem pecado.

Ele não poderia ser o "Cordeiro sem mácula" (1Pd 1,19) se tivesse alguma necessidade de autopurificar. 


A Solução Teológica: A Pureza que Precede a Purificação

 A chave para entender essa questão reside na distinção teológica entre "puro" e "purificado". 

  • Puro: Aquele que é intrinsecamente sem pecado e nunca precisou de purificação.
  • Purificado: Aquele que, embora manchado pelo pecado, ou ainda que não manchado mas correndo o risco de se manchar, fora removido dessa condição.

 As Escrituras afirmam: "Quem fará sair o puro do impuro? Ninguém!" (Jó 14,4) e "Que coisa pura pode vir do impuro?" (Eclesiástico 34,4). 

Maria, embora vinda de pais pecadores, foi agraciada por Deus e por ele purificada, sendo preservada se macular no pecado original que herdaria da sua condição paterna, desde sua concepção. 

Essa é a doutrina da Imaculada Conceição.

Essa preservação Divina garantiu que Cristo, o "Santo dos santos", fosse concebido na pureza da humanidade de Sua Mãe, que estava livre do pecado.

Assim, Cristo não correu o risco de ficar à mercê de ter que se sujeitar a ‘lei do pecado e da culpa’ ao ser concebido por mãe pecadora, tendo que assumir uma humanidade vinda de Adão. 

As profecias do Antigo Testamento, como "Te reconstruirei, e serás restaurada, ó Virgem de Israel!" (Jeremias 31,4) e "O que Deus purificou, não chames de impuro" (Atos 11,9), apontam para essa intervenção Divina em Maria, para que no seu ventre fosse feito um Templo onde o próprio Deus Santíssimo, que viveria na carne, habitaria. 

  1. Cristo, o Cordeiro Imaculado: O Cordeiro que salva da mancha do pecado não poderia Ele mesmo estar sujeito a essa mancha contraída por herança materna. Cristo é "Justo", "Santo de Deus" (Apocalipse 16,5). Os cordeiros sacrificados na Antiga Aliança, que prefiguravam Cristo, eram sem defeito, pois o remédio não pode padecer da mesma doença que o paciente. A ausência de santidade, justiça e graça desde a concepção, tornaria alguém vulnerável ao pecado. Cristo não foi gerado para ser vulnerável ao pecado ou enquadrado na ‘Lei da culpa de Adão’, e por isso, Sua mãe foi isentada de toda mácula desde a concepção, para que não pudesse transmitir ao Filho a condição humana da culpa original.
  2. O Santuário Terrestre de Deus: Todo aquele gerado na humanidade transgressora de Adão é privado de graça, santidade e justiça. Nisto consiste o pecado original: "Como pode o nascido de mulher ser puro?" (Salmo 51,5). Se Cristo tivesse que impedir Nele a transmissão do pecado vindo de Sua mãe, Ele não seria o Cordeiro Perfeito, com pureza absoluta para um sacrifício digno a Deus. Ficar exposto ao pecado é uma pena herdada da desobediência adâmica, e toda pena exige redenção. Mas Cristo não poderia necessitar de redenção. Por isso, Deus "limpou seu Santuário terrestre, a Virgem", como profetizado: "Construí um Santuário, qual um céu, estável como terra, firmado para sempre" (Salmos 77,69) e "Ele conduziu-me ao Santuário, o qual se achava fechado. O Senhor disse-me: Este pórtico ficará fechado. Ninguém o abrirá, ninguém aí passará porque o Senhor, o Deus de Israel aí passou" (Ezequiel 44,1-2). Preservando a mãe do pecado, a humanidade do Filho nela gerado não ficou sequer por um instante vulnerável à transmissão do pecado materno, sendo a humanidade de Maria, usada por Deus como escudo preparado para proteger a humanidade de Seu Filho, conforme Jeremias 31,22: "O Senhor criou uma coisa nova na terra: uma mulher protege a um varão."
  3. Uma Salvação Especial por Mérito de Cristo: A pureza da Virgem não foi uma consequência natural, mas uma graça especial da Providência Divina, que a preservou do pecado. Cristo, sendo o Salvador Perfeito, não poderia necessitar de salvação. Por isso, afastá-Lo ao máximo do pecado implicava afastar ao máximo do pecado a mulher em cuja carne Ele seria concebido. O abismo que Deus colocou entre a mulher e a serpente (Gênesis 3,14-15) simboliza a incompatibilidade entre a descendência da Mulher, que é Jesus, o Redentor, e a descendência da serpente, que é todo resto da humanidade pecadora. Como ensinou o Beato Duns Scotus, “se uma pessoa pode receber a graça de nascer sem pecado, não é por mérito próprio, mas por mérito de Jesus.” 
  4. "Não Há um Justo Sequer": Uma Questão de Mérito: A afirmação do Apóstolo Paulo de que "não há um justo sequer" (Rm 3,10) não se contradiz com figuras como Noé (Gênesis 7,1), que foi reconhecido como justo diante de Deus. Paulo se refere à impossibilidade de se ser justo por mérito próprio. Noé e, de forma singularíssima, a Santíssima Virgem, foram dotados de justiça, pureza e graça pela participação nos méritos do Cordeiro. O ventre de Maria foi o Templo Sagrado para a humanidade que Deus assumiu. Duns Scotus, um teólogo franciscano, argumentou que Cristo não demonstraria ter poder absoluto sobre o pecado, sendo o Sumo Salvador, se apenas redimisse o pecado já praticado e não pudesse preservar ao menos uma criatura da mácula e da prática do pecado.