A questão "Como fazer imagens de Deus se Ele é invisível?", foi um grande dilema que atravessou a história da fé. Por muito tempo, a ideia de representar o Criador parecia contraditória à sua natureza invisível e espiritual. A teologia católica oferece uma resposta profunda a essa pergunta, enraizada na encarnação de Jesus Cristo.
De fato, antes da encarnação do Verbo, Cristo, Deus não tinha um corpo, forma ou aparência que pudéssemos retratar visualmente. Ele era o puro Espírito, invisível e inatingível aos olhos humanos. Mas a história da salvação mudou radicalmente com a vinda de Jesus. Deus se revelou a nós na carne: nascendo, vivendo, morrendo, ressuscitando e realizando milagres extraordinários. Essa manifestação visível tornou possível retratá-lo de uma maneira nova e revolucionária1. Agora, podemos representá-lo:
Em Cristo, somos convidados a contemplar visualmente a própria Face Humana de Deus em todo o seu esplendor. As Escrituras confirmam essa verdade central: "Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criação." (Colossenses 1, 15) Essa revelação é tão impactante que o Apóstolo Paulo questiona a cegueira espiritual daqueles que não a veem: "Ó insensatos! Quem vos fascinou a vós, ante cujos olhos foi apresentada a imagem de Jesus Cristo crucificado?" (Gálatas 3, 1) E o próprio Jesus, com uma clareza que ecoa pelos séculos, nos revela a unidade entre Ele e o Pai: "Quem vê a mim, vê o Pai." (João 14, 9)
Dentro da liturgia católica, as santas imagens têm um papel fundamental e preciso: elas representam Cristo encarnado. É crucial entender que elas não buscam retratar o Deus invisível e incompreensível em Sua essência divina e transcendente. Isso seria, de fato, impossível e ilógico. No entanto, podem e devem retratar o que Deus é, e o que Deus se fez em carne, o Deus visível na manifestação material do Filho. A encarnação de Jesus inaugurou um novo modo de nos relacionarmos com as representações do sagrad2. Em Cristo, Deus nos apresentou a sua face humana, numa mensagem que pode e deve ser visualmente comunicada. As imagens que retratam Deus em Cristo, são, portanto, um convite à oração, à memória e à contemplação do mistério da nossa salvação que em sua humanidade visível nos foi revelado.
1 O uso de imagens na fé cristã, especialmente após a encarnação, encontra profundo respaldo teológico e histórico na tradição da Igreja: A Doutrina da Encarnação: O ponto de partida é sempre o dogma de que o Verbo Eterno de Deus se fez carne (João 1, 1-14). Se Deus se tornou visível em Jesus, então é lícito representá-lo em Sua forma humana.
2 O Concílio de Niceia II (787 d.C.), sétimo concílio ecumênico da Igreja, foi fundamental para defender e legitimar a veneração das imagens sagradas contra a heresia dos iconoclastas, reafirmando que a honra dada à imagem se dirige à pessoa nela representada, e não à matéria em si, na distinção crucial entre a relação que temos diretamente com Deus - adoração (latria) e com suas imagens ou símbolos sagrados - veneração (dulia). A Catequese da Igreja Católica diz: (§ 1159) reafirma essa doutrina: "A imagem sagrada, ícone litúrgico, representa primeiramente Cristo. Não pode representar o Deus invisível e incompreensível; é a Encarnação do Filho de Deus que inaugurou uma nova 'economia' das imagens." E ainda mais explicitamente no § 2132: "A veneração das imagens sacras é fundada no mistério da Encarnação do Verbo de Deus. De fato, o Deus invisível se tornou visível em Cristo, o que permite o seu retrato."