A virgindade perpétua de Maria é um dos dogmas marianos mais profundos. Não se refere apenas à ausência de relações sexuais, mas a um estado de consagração total e sobrenatural a Deus que se estende antes, durante e depois do parto de Jesus. Compreender essa verdade é mergulhar na profundidade da Revelação Divina.
Controvérsia
Diversos pontos são levantados por aqueles que questionam a virgindade perpétua de Maria:
- Incompatibilidade entre virgindade e maternidade: À primeira vista, parece que não convinha a Maria permanecer sempre virgem, pois a virgindade se opõe à maternidade, sendo condições aparentemente incompatíveis entre si.
- A naturalidade da prole no matrimônio: Além disso, é natural do matrimônio a concepção de filhos. Assim, não haveria mal em Maria conceber filhos de José, seu legítimo esposo.
- O mandamento "Crescei e Multiplicai": É dito nas Escrituras: "Crescei e multiplicai" (Gênesis 9, 7); função que incumbe às mulheres precipuamente, enquanto geratrizes de toda vida humana.
- A menção aos "irmãos" de Jesus: Ademais, se Maria permaneceu sempre virgem, quem seriam Tiago, José, Judas e Simão, citados nos Evangelhos como "irmãos" (Mateus 13, 55) de Jesus?
- A expressão "não a conheceu até": Soma-se que José "não a conheceu" (Mateus 1, 25) até dar à luz ao Cristo, do que se supõe que, depois, ele a tenha conhecido maritalmente.
- Jesus como "primogênito": Por fim, Jesus é chamado de "primogênito" de Maria (Lucas 2, 7), do que se conclui ser o primeiro de uma prole, o que faz supor que Maria e José tiveram muitos outros filhos.
Oposição
Mas, em contrário, as Escrituras profetizam sobre as dores de Maria aos pés da cruz, indicando um sofrimento único, como o de uma mãe que perde seu único filho: "Ó filha de meu povo, veste o saco, revolve-te nas cinzas. Cobre-te de luto COMO SE FORA POR UM FILHO ÚNICO, e ecoem teus amargos gemidos, porquanto vai cair de repente sobre nós o devastador." (Jeremias 6, 26). Essa profecia, tradicionalmente ligada ao sofrimento da Virgem Maria, já aponta para a singularidade de Jesus como Filho Único.
Esclarecimento
As figuras de Eva e Maria estão profundamente entrelaçadas na história da salvação.
Eva, a virgem que Deus criou sem mancha, corrompeu-se pela desobediência.
Maria, a Virgem que Deus também preservou de toda mancha (Imaculada Conceição), manteve-se fiel.
Deus santificou o útero de Eva, concebida sem pecado, fazendo dele um santuário. A intenção divina era que ela e Adão gerassem filhos sem mácula, que povoariam o paraíso e honrariam o Criador eternamente. Por isso, Deus os abençoou e lhes disse: "Multiplicai-vos, enchei a terra." (Gênesis 1, 28)
Mas Eva, infelizmente, instituiu um laço de amizade com a maldade, representada na figura de uma antiga serpente, que viria a corromper a humanidade. Por não confiar em Deus, Eva corrompeu, primeiro, a si própria, cedendo à tentação: "...A serpente disse: 'Deus vos proibiu de comer do fruto de toda árvore do jardim?' A mulher respondeu: 'Podemos comer do fruto das árvores, mas do fruto da árvore do meio do jardim Deus disse para não comer, não tocar para que não morramos.' 'Vós não morrereis!', disse a serpente. 'Deus sabe que no dia em que Dele comerdes sereis como deuses.'" (Gênesis 3, 1-5).
Assim, em oposto aos santos de Deus, Eva concebeu os frutos da serpente, na humanidade pecadora que gerou com Adão, profanando o santuário em seu ventre: "...esse manjar se corromperá em seu ventre, e nas entranhas será como veneno de cobra." (Jó 20, 14) E então, compreendemos a condição humana: "...eis que nasci na culpa, minha mãe me concebeu no pecado." (Salmo 51, 5).
Se o pecado foi introduzido por um ventre, a justiça também seria estabelecida a partir dele. Contra a serpente, decretou-se: "...Maldita serás, e sobre o teu ventre rastejarás." (Gênesis 3, 14).
E em relação à mulher: "...multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com dores." (Gênesis 3, 16).
Mas se por uma virgem imaculada (Eva, em sua criação original), a serpente introduziu o pecado ao mundo, por outra Virgem, Deus fez surgir a salvação.
Se pelo útero de Eva, o santuário manchado, originou-se a humanidade pecadora, o ventre da Santa Virgem Maria, o novo santuário, iria gerar apenas a humanidade santa e incorrupta do próprio Deus feito homem: "Cristo não entrou em nenhum santuário feito por mãos humanas..." (Hebreus 9, 24).
Como expressou Santo Irineu de Lyon (c. 130-202 d.C.): "Se por uma virgem caiu o gênero humano, assim também por outra veio a salvação. Como Eva foi seduzida pela fala de um anjo e se afastou de Deus, Maria recebeu a boa nova de um anjo e trouxe Deus em seu ventre. Uma deixou-se seduzir de modo a desobedecer, mas a outra se deixou persuadir a obedecer, para que da Virgem Eva, a Virgem Maria se tornasse advogada. O gênero humano, que fora submetido à morte por uma virgem, recebeu o Libertador por meio de outra, e a astúcia da serpente vencida pela simplicidade da pomba." (Santo Irineu, Contra as Heresias, V, 19,1; Livro III, seção III).
Nesse contexto, respondem-se as questões levantadas:
Solução
- Virgindade e Maternidade: Virtudes Coexistentes: Dentre todas as mulheres, apenas a Santíssima Virgem obteve a condição de Mãe e Casta. Nela, a castidade não impediu a fecundidade, nem a fecundidade destruiu a virgindade. Cristo não veio ao mundo para trazer ruptura a nenhuma carne; da mesma forma que adentrou num cômodo sem derrubar paredes, assim adentrou ao mundo sem romper as entranhas de Sua Mãe: "Estando trancadas as portas, veio Jesus, pôs-se no meio deles." (João 20, 26). Por isso, na maternidade divina, virgindade e fecundidade não são virtudes que se anulam. Pelo contrário, coexistiram e são santificadas, unindo-se num único elemento.
- O Santuário Inviolável: Se o pecado foi gerado no útero da primeira virgem (Eva, ao pecar), Deus preservou o útero da segunda (Maria) para gerar somente santidade e salvação na Pessoa de Cristo, para que fosse restaurado o seu santuário, outrora maculado pela ilicitude de Eva. Se Maria gerasse outros filhos de José, seu ventre, mais uma vez, geraria a humanidade pecadora (visto que José não foi isentado do pecado original, carregando em sua natureza a corrupção dos primeiros pais), contaminando o útero santo e manchando novamente o santuário. A segunda Virgem regrediria à condição da primeira, como mãe de uma humanidade pecadora. Apenas o Sagrado seria concebido no santuário sagrado de seu ventre: "Ele reconduziu-me ao pórtico exterior do santuário, que fica fronteiro ao oriente, o qual se achava fechado. O SENHOR DISSE-ME: ESTE PÓRTICO FICARÁ FECHADO. NINGUÉM O ABRIRÁ, NINGUÉM AÍ PASSARÁ, PORQUE O SENHOR, DEUS DE ISRAEL, AÍ PASSOU. ELE PERMANECERÁ FECHADO." (Ezequiel 44, 1-3). Sobre essa passagem, Santo Ambrósio (c. 339-397 d.C.) comenta: "Quem é esse portão fechado senão Maria, a porta através da qual Cristo entrou nesse mundo?" (Santo Ambrósio, Da Virgindade Perpétua, 8:52). E São Justino Mártir (c. 100-165 d.C.) já ligava Eva e Maria: "Porque Eva, quando ainda era virgem e incorrupta, concebendo na palavra da serpente, DEU À LUZ A DESOBEDIÊNCIA E MORTE. Mas a Virgem e incorrupta MARIA CONCEBEU POR FÉ E ALEGRIA quando o anjo Gabriel lhe deu a boa notícia de que o Espírito do Senhor viria sobre ela." (São Justino Mártir, Diálogo com Trifão, 701ss).
- A Maternidade Sacerdotal e Espiritual: A maternidade sacerdotal (espiritual) é superior à carnal no plano da salvação. Por causa de Cristo, Maria se torna a Matriarca da humanidade restaurada que ressuscitará, renascendo na carne e no sangue do Cristo que foi concebido na carne e no sangue puro da Virgem (João 6, 54). Assim, Cristo e a humanidade que Ele restaurou formam um só Corpo: "...nós, embora muitos, FORMAMOS UM SÓ CORPO EM CRISTO, E CADA UM DE NÓS É MEMBRO UM DO OUTRO." (Romanos 12, 5). Maria é mãe do Corpo de Cristo completo, não apenas da Cabeça (Jesus), mas da Cabeça e de todos os membros, sendo por isso Mãe da Igreja, que é o Corpo de Cristo (Efésios 5, 23). Ela se torna, deste modo, a mãe de incontáveis filhos a partir do Apóstolo João, seu primeiro filho espiritual, na maternidade sagrada instituída de viva voz pelo próprio Cristo na cruz: "Maria não tinha outro filho, mas Jesus diz a Sua Mãe: 'Mulher, eis aí teu filho.'" (Orígenes, Comentários ao Evangelho de São João, Livro I, par. 6, anos 185-253).
- Os "Irmãos" de Jesus: Parentes Próximos: Os que são apresentados nos Evangelhos como "irmãos" (Mateus 13, 55) de Jesus – Tiago, José, Judas e Simão – são também apresentados como filhos de pais que não são nem a Virgem Maria, nem José. Era comum na cultura hebraica chamar de "irmãos" não apenas os consanguíneos, mas os parentes próximos, como tios, sobrinhos, primos ou até mesmo amigos íntimos. A história hebraica está repleta dessas situações, como Abraão que chamava Ló de irmão (Gênesis 13, 8), embora fosse seu sobrinho; e Labão assim também chamava Jacó (Gênesis 14, 14), apesar de ser seu tio e sogro. Tiago e José, ditos "irmãos" de Cristo, são na verdade os filhos de outra Maria, irmã da Virgem Maria, conhecida como Maria de Cléofas (ou Maria, esposa de Alfeu): "Junto à cruz de Jesus estavam de pé Sua Mãe, a irmã de Sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas..." (João 19, 25). Tiago, "irmão" de José, trata-se de São Tiago, o Menor, um dos Apóstolos de Jesus que, apesar de não crer Nele no início, posteriormente se converteu junto com um de seus primos (ou "irmãos"), chamado Judas ou Tadeu: "Achavam-se ali também umas mulheres, observando de longe, entre as quais Maria Madalena, e MARIA, MÃE DE TIAGO, O MENOR, E DE JOSÉ..." (Marcos 15, 40). "Dos outros Apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do Senhor." (Gálatas 1, 19). "JUDAS, SERVO DE JESUS CRISTO E IRMÃO DE TIAGO, aos eleitos bem-amados em Deus Pai e reservados para Jesus Cristo." (Judas 1, 1). Sobre Simão, não há registros detalhados, por ter sido um parente de Cristo sem grande expressão social nos Evangelhos. O costume de se tratar como "irmãos" era comum entre todos os cristãos, como mostra Atos 12, 17: "Comunicai-o a Tiago e aos irmãos".
- O Significado do Verbo "Conhecer" (Ginosko): O verbo "conhecer", no grego bíblico (γινώσκω - ginósckó), possui uma riqueza de usos que vai além da conotação sexual, incluindo "compreender", "entender" e "se revelar". Ele é frequentemente empregado para se referir a um aprendizado superior, virtuoso e revelador: "Pai Justo, o mundo não Te conheceu, MAS EU TE CONHECI..." (João 17, 25). Obviamente, não é de um conhecimento natural, carnal, que as letras sagradas falam em relação a Cristo e Deus Pai, e entre Deus e a humanidade. Assim é também em relação a José e Maria: um aprendizado que se localiza além da natureza humana, que desnuda a alma sem precisar desnudar o corpo. Como Cristo conhece as maravilhas do Pai, a José foi dado perceber as maravilhas que Cristo realizou em Maria ao coabitar com ela, na compreensão do esplendor da MATERNIDADE SAGRADA. Isso foi necessário para elevar e confirmar a fé de José no próprio Cristo, fé outrora abalada pela desconfiança sobre a fidelidade de Maria (Mateus 1, 19). E, conhecendo-a totalmente em sua fidelidade como esposa, e, principalmente, como a Mãe do Salvador e Mãe de Deus. Só assim, lhe foi possível entender aquilo que o anjo em sonho só lhe revelou parcialmente, quando disse: "E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: 'José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está sendo gerado é do Espírito Santo; e NÃO A CONHECEU ATÉ QUE DEU À LUZ A SEU FILHO, O PRIMOGÊNITO, E PÔS-LHE POR NOME JESUS.'" (Mateus 1, 20-25). Esclarecendo: O verbo "conhecer" só cabe ser empregado com o sentido de conhecimento sexual quando usado para descrever uma descendência gerada entre marido e mulher, havendo sempre uma menção final do resultado do enlace sexual: "Adão conheceu Eva, sua mulher, E ELA CONCEBEU E DEU À LUZ CAIM..." (Gênesis 4, 1); "Caim conheceu sua mulher, E COM ELA CONCEBEU E DEU À LUZ A ENOQUE..." (Gênesis 4, 17); "Adão conheceu outra vez sua mulher, E ESTA DEU À LUZ A SET..." (Gênesis 4, 25). Mas em relação a Maria e José, não há menção de prole após o verbo "conhecer", o que implica que não era conhecimento sexual, pois não há neste versículo a descrição de filhos de José gerados em Maria depois de conhecê-la: "E NÃO A CONHECEU ATÉ QUE DEU À LUZ SEU FILHO, O PRIMOGÊNITO; E PÔS-LHE O NOME JESUS." (Mateus 1, 25).
- "Primogênito": Significado Bíblico: Na Lei Mosaica, nem todo primogênito era filho único, mas todo filho único era considerado primogênito. O termo não se refere apenas ao filho mais velho sucedido por irmãos, mas sim ao que inaugurava o útero de sua mãe, o "que abre o seio". "EU TOMEI OS LEVITAS DENTRE OS FILHOS DE ISRAEL EM LUGAR DE TODO PRIMOGÊNITO, QUE ABRE O SEIO DE SUA MÃE ENTRE OS ISRAELITAS." (Números 3, 12). A Lei exigia a consagração do primogênito. Assim, Jesus foi apresentado no Templo como o primogênito que abre o seio virginal de Maria, independentemente de haver outros irmãos: "COMPLETADOS OS OITO DIAS para ser circuncidado, ao menino foi posto o nome de Jesus, como Lhe tinha chamado o anjo antes de ser concebido no seio materno. Concluídos os dias da sua purificação segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentar ao Senhor, conforme o que está escrito na Lei do Senhor: '– TODO PRIMOGÊNITO DO SEXO MASCULINO será consagrado ao Senhor, e para oferecerem o sacrifício prescrito pela Lei do Senhor, um par de rolas ou DUAS POMBAS.'" (Lucas 2, 21-24). Por isso, com Jesus, seu Filho Único: "ELA DEU À LUZ O SEU FILHO PRIMOGÊNITO, envolvendo-o com faixas," (Lucas 2, 7). Além disso, Cristo, ao nascer, já recebe nas Escrituras o Título de Primogênito, tanto de Deus quanto da Mulher. Ele é o Primogênito e Unigênito de Deus Pai: "Ele é a imagem de Deus invisível, o PRIMOGÊNITO de toda a Criação." (Colossenses 1, 15). "Deus enviou SEU FILHO ÚNICO ao mundo, para que por Ele vivamos." (1 João 4, 9). Ora, o Primogênito e Unigênito do Pai deveria também ser o Primogênito e Unigênito da Mãe, para que fosse reconhecido como sendo o Único, tanto no céu quanto na terra. Como afirmou São Jerônimo (c. 347-420 d.C.): "Na Lei Mosaica, 'primogênito' é aquele que abre o ventre, e não necessariamente aquele que tem irmãos."
A Virgindade Perpétua de Maria, portanto, não é uma contradição à maternidade, mas uma verdade que a eleva e a torna singular no plano divino da salvação. Ela reflete a santidade do ventre que gerou o próprio Deus, fazendo desse ventre o seu Altar Terreno, cuja fidelidade total de Maria ao desígnio de Deus, manteve esse santuário exclusivo para o Verbo Encarnado.