Adorar a Deus não implica em meros gestos externos ou simples atos da mente. A verdadeira adoração vai além do que somos capazes de oferecer por nós mesmos. O culto de latria é a adoração mais sublime e profunda que podemos oferecer, e ela se destina somente a Deus. Ela só acontece quanto participamos de maneira real e concreta do sacrifício de Jesus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que se entrega por nós. Sua finalidade é a reparação dos pecados. Somos convidados a participar do sacrifício de Jesus, tornando-nos um com Ele. O altar da Missa é o local onde esse mistério pascoal se renova, e o pão e o vinho se tornam, respectivamente, o Corpo e o Sangue de Cristo, oferecidos para a expiação de nossos pecados. (Rm 12:1; 1 Cor. 10:16, 17 e 18). Por ser um ato de tamanha profundidade e significado, o culto de adoração só pode ser realizado por meio de Deus, que se fez humano, para que o ser humano pudesse assim se elevar a Deus. Sem o ato que nos eleva a participar do sacrifício de Cristo não há adoração, porque não há mérito nos atos humanos (dançar, cantar, chorar, etc.) que possa servir a Deus como sacrifício pelos pecados. A história de Caim e Abel ilustra bem essa verdade: Caim ofereceu o fruto de seu próprio trabalho, uma oferta que simbolizava o esforço meritório humano, enquanto Abel ofereceu um cordeiro, prefigurando o sacrifício de Cristo. Deus aceitou a oferta de Abel porque ela representava a busca por uma adoração que dependia da graça divina, não dos méritos pessoais.
".“Ofereceu Caim, os frutos da terra em oblação ao Senhor; mas o Senhor NÃO OLHOU PARA SUA OFERTA, NEM PARA OS SEUS DONS. Abel, de seu lado, ofereceu dos PRIMOGÊNITOS do seu rebanho; E O SENHOR OLHOU COM AGRADO PARA ABEL E SUA OFERENDA. (Gênesis 4: 3, 4 e 5)
A idolatria, uma perversão da adoração, é a busca por salvação e perdão dos pecados por meio da oferta de méritos humanos a falsos deuses. Esses "deuses" podem ser imagens de seres imaginários ou mesmo ideias e conceitos falsos sobre Deus, que a mente humana cria para suprir a sua ignorância sobre o Deus verdadeiro e sua necessidade de se conectar com o divino.
"Elas convidaram o povo AOS SACRIFÍCIOS DOS SEUS DEUSES; e o povo comeu, e inclinou-se aos seus deuses." (Números 25, 2)
O ídolo é a representação de algo ou alguém que não existe, criado na ideia, na madeira ou no gesso, ganhando voz e poder na vida do idólatra. Ele se torna um reflexo da própria pessoa, que projeta nele seus desejos e inverdades. Uma ideia errada de Cristo cria na mente idólatra um 'cristo' falso forjado pela doutrina religiosa particular gerada da rejeição e do afastamento da verdadeira Igreja de Cristo, firmada em Pedro e nos demais Apóstolos, fazendo nascer dentro das divisões do cristianismo os ídolos que embora chamados 'cristo' não correspondem ao Cristo real e verdadeiro, e ao serem 'adorados', manifestam o pecado da idolatria. A heresia e a ignorância das verdades da fé são as mães de toda idolatria. É por isso que todas as ofertas, devoções e atos de fé destinada aos falsos deuses, falsos cristos, são atos desprovidos da verdade, e que podem levar à condenação pelo distanciamento do verdadeiro Deus.
"Sacrifícios ofereceram aos demônios, não a Deus;" (Deuteronômio 32, 17)
Um dos aspectos mais trágicos da idolatria é o sacrifício humano, uma ofensa gravíssima, pois atinge a própria imagem de Deus no ser humano.
"Porém, agora os israelitas pecam ainda mais, fazem para si estátuas fundidas com sua prata, ídolos de sua invenção, meras obras de artistas. Falam-lhes, oferecem-lhes sacrifícios humanos e dão beijos nos bezerros." (Oseias 13, 2)
A idolatria inverte a ordem da criação. O ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus, tenta criar deuses à sua própria imagem. Essa busca por algo tangível para adorar, para ver, sentir e tocar, é um anseio natural da humanidade. A resposta definitiva de Deus a essa carência é a Encarnação do Verbo. Jesus Cristo, Deus feito homem, nos dá a possibilidade de nos comunicarmos com Ele em espírito e em matéria, por meio dos sacramentos. A água, o óleo, o pão e o vinho se tornam canais de comunicação com o Divino, suprindo o desejo humano por uma experiência concreta e sensível com Deus. Como explica Aquino, Deus nos oferece a salvação por meio de sinais visíveis, os sacramentos, que "se aplicam à nossa natureza, que é sensível e apegada às coisas corporais."
"É da natureza humana o corpóreo e o sensível até atingir ao espiritual. A ligação espiritual final, atinge primeiro a sensibilidade e o intelecto.(I Cor 15. 44 a 46) Por isso, convinha a Divina Sabedoria conferir auxílios à salvação, sob certos sinais corpóreos e sensíveis chamados sacramentos. […] pelo pecado, o homem tornou-se sensível e afeito às coisas corpóreas. […] e onde padece uma doença, aí se deve aplicar o remédio. Por meio de sinais corpóreos, Deus aplica ao homem uma medicina espiritual, como era a circuncisão. Pelos sacramentos, o homem é ensinado conforme sua natureza." (Suma Teológica Q 65, art. 1º)
Com a vinda de Cristo, a idolatria perde seu sentido. Agora, é possível adorar o Deus verdadeiro não apenas em espírito, mas em espírito e em verdade, de forma real, visível e concreta, por meio da Igreja e de seus sacramentos, que são fragmentos sobrenaturais do Corpo de Cristo, adorado na Eucaristia.
"Portanto, caríssimos meus, fugi da idolatria." (I Coríntios 10, 14)